“Eu conto histórias para crianças de 0 a 100 anos”

Mateus Moreira Barbosa

Marcelino “Xibil” Ramos em uma de suas apresentações (Foto: Jorge Mariano)

Marcelino Luciano Ramos, 45 anos, ator e escritor, natural de São Miguel do Anta, Minas Gerais, é um importante personagem da cultura mineira. Popularmente conhecido por Marcelino Xibil, o artista é contador de “causos” da Região dos Inconfidentes. Por ter nascido em uma pequena cidade na Zona da Mata mineira, foi influenciado por sua família, desde muito jovem, por sua família a narrar histórias reais e fictícias.
Rompendo os limites de sua cidade com pouco mais de 6 mil habitantes, Marcelino chegou há Ouro Preto, onde está há mais de 20 anos. Aqui tornou-se bacharel em Direção Teatral – Artes Cênicas, pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ouro Preto carrega uma mística por suas lendas e por ser uma cidade com um clima gélido e com tom sombrio, ideais para compor o cenário dos causos de terror contados pelo artista.
Em nossa conversa, Xibil relata ainda uma nova faceta da sua atuação.
Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, escreveu seu primeiro livro “O Abraço”, publicado pela Editora Aletria, que, posteriormente, foi selecionado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) em 2022, o que é um grande reconhecimento.

Marcelino contando “causos” em São Paulo (Foto: Deborah Nascimento Pessoa Ramos)

Como foi a sua vinda para Ouro Preto?


Então, a mudança para Ouro Preto se dá de uma outra forma, né? Em São Miguel, eu fico até os 15 anos de idade. Então saio de São Miguel e vou morar no interior de São Paulo. Meus irmãos moravam lá em Atibaia, bem próximo ali da capital, né? Fico em Atibaia por seis anos, de 94 a 2000. Vir para Ouro Preto foi um retorno a Minas, um retorno às minhas origens.

Você já conhecia Ouro Preto?


Eu não conhecia Ouro Preto e foi impactante de início. Eu conheci Ouro Preto quando eu vim fazer a prova de aptidão aqui, depois, quando eu vim morar, e foi um impacto muito grande assim. Acho que foi um um encontro novamente com a minha mineiridade certo.

Você passou por algum processo de adaptação ao voltar para Minas?


O próprio processo da adaptação foi a escolha por Ouro Preto no início, né? Porque quando eu moro no interior de São Paulo eu venho visitar Minas de vez em quando. Meus pais continuavam morando em São Miguel, e eu ia visitar sempre com uma saudade muito grande.Aí eu decidi que queria mesmo voltar para Minas. O processo de adaptação foi mesmo aqui em Ouro Preto. Eu cheguei a morar um tempo em uma república federal, mas acabei não me adaptando. Saí e aí depois fui morar em uma república particular. Esse, pra mim, foi um processo mais louco de aprendizado. Porque é um processo de muita vivência, estar na universidade e conviver com várias pessoas. Então esse foi um processo interessantíssimo que marcou minha vida.

Como surgiu essa paixão por contar “causos”?


É bom falar. Então, são duas etapas. Eu quando venho para Ouro Preto, para estudar Artes Cênicas, tenho uma pesquisa muito mais voltada para o teatro contemporâneo. A performance, eu estudava muito Antonin Artaud, que é um teatrólogo francês, e com ele o Teatro da Crueldade, mas que também mescla com a questão do ritualismo, né? E aí quando eu chego em Ouro Preto, eu tenho comigo, também, essas coisas na minha mineiridade. Eu lembro de quando eu era criança. São Miguel é uma cidade bem pequena, assim, sabe? E onde eu moro é um lugar bem pequeno, uma rua que na época era estrada de terra e tal. A gente em frente fazia uma fogueira e ficava ali contando “causos”. Meu pai, os amigos e eu, criança, ficava ali ouvindo até meia noite, uma hora escutando os causos lá.
Mas aí, em 2008, eu fui assistir um espetáculo lá no GLTA, chamado “O Expresso Menino”. E esse espetáculo falava de “causos” e marcou muito aquilo na minha vida, e eu já tava também num projeto de pesquisa da oralidade para um TCC de interpretação. Estava estudando essa coisa da mineiridade e, quando vi o Expresso Menino, me deu um “estalo”. É isso que eu quero fazer da minha vida.

“Xibil” se apresentando no Espaço Itaú Cultural (Foto: Deborah Nascimento Pessoa Ramos)

Você citou alguns nomes, comentou, também, de seu pai e dos amigos dele. Algum deles chegou a te inspirar para começar a contar “causos”?


Meu pai é uma grande inspiração. Embora se você perguntar se ele conta causos, ele falava que não, ele só batia papo. Para ele, era só bater papo. Tem essa inspiração dele. Com certeza, tudo que eu carrego é muita coisa dele, né? E das pessoas lá de São Miguel. No lado artístico, com certeza, me inspira Olavo Romano, Rosana Mont’Alverne, muito forte assim, e um outro que é o Roberto Carlos Ramos, e que é um grande contador de história.

Você lembra qual foi a primeira história que você contou? E para quem?


A primeira história que contei foi um “causo” que eu aprendi em São Miguel do Anta que é da tradição oral e que eu contei na república para os meus amigos. A história de um caçador, que ele vai caçar na sexta-feira da Paixão, e aí acontece uma série de coisas (risos).

Das histórias que você conta, qual você mais gosta de contar?


Acho que o que eu mais gosto de contar hoje é o “causo” da mula sem cabeça e do lobisomem, que são as histórias que eu tenho bem na memória. Histórias que eu ouvi na infância, que a mãe de um amigo meu contava e é muito presente assim na minha vida.

Tem algum público específico que você prefere contar histórias?


Eu falo que eu conto história para crianças de 0 a 100 anos, né? E acima de 100 tem que ser acompanhado dos pais (risos). Eu conto pra todo o público. Como eu trabalho com “causos”, meu público é um pouco mais adulto. Mas, em 2020, como eu escrevi o livro “O Abraço”, comecei, também, a ter mais esse contato com o público infantil, e acabei me adaptando. Hoje em dia, é bem expansivo. Acho que ser pai também mudou um pouco isso.

Você comentou sobre o seu livro “O Abraço”. Como surgiu a ideia para a criação dele?


O livro surgiu com o nascimento do meu filho. O Pedro nasceu em 18 de março de 2020, bem ali no auge da pandemia. Ele nasce aqui em Ouro Preto, meus pais moram em São Miguel do Anta, e meus pais na época, idosos, meu pai com 86 e minha mãe com 79 anos. Meu pai, com um enfisema pulmonar, e a gente não pôde visitá-los por causa da pandemia. Ficou uns seis meses assim e aquilo criando uma angústia. Teve um dia que eu tava com muita vontade de abraçar meu pai, abraçar minha mãe, sabe, e muita vontade, também, que eles abraçassem o Pedro. E foi daí que surgiu a ideia de escrever.

Livro “O Abraço”, escrito por Marcelino (Foto: Arquivo Pessoal)

Quais são seus próximos objetivos? Os planos para o futuro?


Os planos para o futuro são de criar um espetáculo novo e fazer alguns projetos de circulação com leis de incentivo. Eu vou ter outro filho, e o povo já está cobrando muito o livro do outro menino (risos).

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