Mulheres negras enfrentam barreiras no mercado da tecnologia

Profissionais negras enfrentam barreiras para se inserir no segmento da tecnologia, área que ainda é dominado por homens brancos.

Vitória Louise Calixto

    

Descrição: a imagem mostra uma ilustração de mulheres negras segurando placas com escritos pedindo por reconhecimento delas na tecnologia e o fundo da imagem tem símbolos tecnológicos. 

A maioria das profissões consideradas promissoras para o futuro, como por exemplo, detetive de dados, facilitador de TI e gerente de equipe humanos-máquinas, envolvem um eixo em comum: o uso da tecnologia. Mesmo com essa demanda prevista para um futuro próximo, o Brasil ainda enfrenta uma grande carência de diversidade no ambiente tecnológico, principalmente com a falta de representatividade de pessoas negras. Compondo boa parte da população brasileira, cerca de 28%, segundo a Agência Brasil,  as mulheres negras são as que menos estão ocupando cargos de poder em empregos formais ou liderando em tecnologia.

As barreiras na vida profissional dessas mulheres estão inseridas num contexto de desigualdade que se propaga na sociedade, pois quando observa-se a relação entre raça e gênero as mulheres negras têm os piores indicadores sócio-econômicos do país, de acordo com a Rede Brasil Atual, elas são as mais pobres, as que têm menos oportunidades, que ganham menos e vivem em uma situação de, praticamente, nenhuma mobilidade social. 

Como aponta Djamila Ribeiro em seu livro “Lugar de fala”, as mulheres negras são o “outro do outro”, ou seja, são inviabilizadas duplamente por serem mulheres e sobretudo pretas em todas as áreas de suas vidas, principalmente a profissional. O mercado da tecnologia e inovação está em ebulição, enquanto as mulheres negras acumulam os piores índices de empregabilidade do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ,o rendimento médio delas é de R $800 ao mês. Já homens brancos chegam a ganhar quase o dobro: R $1.559.

A desigualdade em números

Segundo a pesquisa “Quem Coda o Brasil”, realizada pela PretaLab (projeto da organização social Olabi), em parceria com a consultoria global de software ThoughtWorks, o mercado de tecnologia é predominantemente branco (58,3%) e masculino (68,3%). Cerca de 61% das mulheres negras consideram atrativa a quantidade de vagas na área da tecnologia, enquanto entre as brancas esse número cai para 49%. O domínio do inglês, no entanto, é uma barreira para 56% das negras e apenas 13% para as brancas. Além disso, 33% das mulheres negras acham que a maior dificuldade para entrar no mercado da tecnologia é a pouca diversidade e inclusão e cerca de 71% delas afirmam já terem sofrido racismo no trabalho, sendo 61% das discriminações feitas por colegas.

Os dados reafirmam as disparidades que cercam essas mulheres, o machismo e o racismo são os principais causadores de tanta assimetria e da falta de participação delas na produção da tecnologia. Essas barreiras são criadas há muito tempo, sendo um processo estrutural da própria sociedade que cria estereótipos desde a infância, onde as meninas têm que brincar com bonecas ou panelinhas e os meninos com  videogames ou computadores, está a divisão da brincadeira na infância reflete na vida adulta como desigualdade. Conforme os dados do IBGE sobre trabalho doméstico e cuidados com pessoas, as mulheres tendem a dedicar mais horas aos afazeres da casa do que os homens. Em 2016, 89,8% delas realizaram atividades domésticas, enquanto a proporção masculina foi de 71,9%.

Essa forma como a sociedade pensa e define o que é ser mulher e o que é ser homem tem relação direta com o desenvolvimento de suas habilidades e competências e essa divisão influência nas escolhas futuras, inclusive as profissionais, gerando uma barreira para acessar essa área e para mulheres negras as dificuldades que enfrentam no caminho são ainda maiores. 

Herança histórica

Pensando num contexto histórico, essa exclusão atravessa gerações. As feministas inglesas, por exemplo, já demonstraram como se estabeleceu uma relação entre tecnologia e masculinidade na revolução industrial. No século XIX separava-se o trabalho produtivo do espaço da casa e os homens passaram a atuar mais massivamente no trabalho industrial, desenvolvendo e manipulando as máquinas. Além disso, o processo de masculinização da informática, mais precisamente, a figura do geek anti-social, se desenvolveu na década de 1960, a partir da instituição de programas formais da disciplina, de revistas, sociedades profissionais e programas de certificação, afirma Nathan Ensmenger, professor da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, no livro “The Computer Boys Take Over”: Computers, Programmers, and the Politics of Technical Expertis.

A consultora de diversidade e inclusão na empresa mais diversa e antiga consultora de marketing digital e tecnologia na Resultados Digitais, empresa referência em tecnologia no Brasil e líder de desenvolvimento em software para pequenas e médias empresas, Camilli Caroline Calixto, jovem paulista de 29 anos, formada em administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), aponta como enfrenta os preconceitos no mercado tecnológico. ”̈Ser uma mulher negra nesse espaço é muito solitário, a tecnologia hoje ainda é para homens, brancos e de classes sociais mais elevadas, ainda temos esse reforço do que é a tecnologia como a gente sempre visualizou antes.” diz.

Na sua visão, quando se trata de afrobrasileiras, elas estão de fato resistindo nesse espaço. “Hoje tenho diversas amigas que nunca pensaram em trabalhar com tecnologia, então o papel, hoje, da mulher é conseguir entender que esses espaços pertencem a gente, conseguir batalhar para estar nesses espaços e se manter neles”. Apesar de ter conseguido se inserir nesse mercado, Camilli lamenta a ausência de mais mulheres iguais a ela nas empresas de tecnologia e inovação. Essa solidão está ligada diretamente à falta de oportunidades para essas profissionais atuarem na área e à limitação da perspectiva financeira em relação à diversidade, por não entenderem que a inclusão também traz lucro.

Vitoria Louise Calixto é estudante do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), mulher negra e interessada em pautar assuntos que envolvem a comunidade negra, tanto as dificuldades quanto às vitórias. 

e-mail: vitoria.calixto@aluno.ufop.edu.br 

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