“É a palavra que me une a você, e é isso que me faz ser professora de língua portuguesa”

A professora Alice Yoko Horikawa fala sobre a docência como relação de  ensino e aprendizado, e a importância do outro na construção dessa relação.

Maysa Mendes

Nascida no interior de São Paulo e descendente de japoneses, Alice conta sua trajetória de vida e como veio dar aulas de português no Instituto Federal de Minas Gerais campus Ouro Preto. A entrevista foi realizada no campus e, desde o convite, Alice se mostrou muito disposta para a conversa, o que resultou em 2h de muitos aprendizados. “Eu acho que a gente pode aprender muito com a vivência do outro: a gente amadurece, a gente pula etapas, a gente vive anos numa conversa. Você entra com 18 e sai com 30. Então, é essa confiança que eu tenho na palavra, essa confiança que eu tenho nas pessoas e a confiança que eu tenho na transformação”. Ela sonha em marcar a vida de seus alunos e alunas, assim como eles marcam e marcaram a sua, e é esse o caminho que segue em sua profissão: “Eu costumo dizer que eu posso viver uma vida inteira e ela não dará conta de pagar tudo que eu devo aos meus alunos e as minhas alunas, porque o que eu sou eu devo a eles”.

Quais os maiores desafios que você vê e enfrenta vindo de uma trajetória de docência em escolas públicas? O punitivismo é um deles?  

Na verdade, eu tento e faço muito esforço para não julgar aqueles que estão ali: os professores que estão ali, os gestores que estão ali, os pais. Muitos pais acabam sendo responsabilizados pela formação dos alunos, né? Então, eu tento me despojar desses discursos que, como você disse, o punitivismo é uma coisa que vai infiltrando nas relações, infiltrando em uma organização como a escola. Eu faço o esforço de não cair nessa. Isso não significa que eu não caia sempre, mas de vez em quando a gente dá as nossas escorregadelas. Mas eu tento não pensar por aí, né? Porque existem pessoas que são responsáveis por esse quadro. Eu acho que existe um sistema que acaba  acirrando as desigualdades, e sempre aponto isso para os meus alunos, que, numa sociedade desigual, absolutamente tudo é desigual, né? A existência de uma escola privada e uma escola pública é o reflexo dessa organização social que tanto acirra as desigualdades sociais.

Eu trabalhei em autênticas escolas públicas e eu vejo muito essa disposição desse sistema, dessa instituição de responsabilizar aqueles que na verdade são vítimas. Então, se responsabilizam os alunos pelos fracassos, se responsabiliza os pais pelo abandono, eles são o abandono, e se responsabilizam os professores por não terem a disposição de ensinar. Então, assim, tem esse discurso punitivista que eu acho que precisa ser superado. Mas, há um sistema que agrava as desigualdades, e a escola está inserida  nesse sistema. E aí as diferenças são exorbitantes, né? A primeira a apontar são as condições físicas e as condições em termos de recursos didáticos. Você tem numa escola pública até uma arquitetura que lembra cadeia, né? Que os espaços livres não existem e, quando existem,  é um Pátio ou um espaço pequeno, o aluno não pode ser autorizado a frequentar, para isso, precisa de uma autorização dos gestores.

Os alunos não podem. Tem isso de não poder frequentar quando existe. E, geralmente, não existe. Em cada entrada que você tem na escola pública, tem uma grade. Pelo menos foi assim nas escolas que eu trabalhei em São Paulo.  Era assim: você tinha entrada da secretaria, uma grade; a entrada pra sala dos professores, uma grade; entrada para subir para as escadas que dão acesso às salas de aula, uma grade. Então, assim, vai ficando esse estigma do aprisionamento. Esse é um dado,  a noção de que ali não é um lugar em que se vive com liberdade é muito forte.

A escola privada tem uma outra concepção arquitetônica. Geralmente, é uma escola bem equipada, com amplos espaços livres. E ela estimula o uso daqueles espaços e há uma compreensão de que aqueles espaços podem ser incorporados ao processo de ensino-aprendizagem. Eu acho que essa é uma diferença bastante marcante, porque ela é muito visível. Ela é muito materializada. Ela é muito tangível.

Agora, com relação aos recursos, na escola pública, você não tem a possibilidade de trabalhar com outros recursos que não aqueles que estão disponibilizados pelo Estado. O serviço e os recursos têm a ver com verba, e a falta desses recursos constrangem muito os trabalhos, as práticas pedagógicas. Elas ficam muito circunscritas à sala de aula. Então é isso que a gente estava conversando antes, o aluno não tem a possibilidade de se inserir em atividades de arte, de cultura, porque isso depende de dinheiro. Esse é um outro problema.

Uma outra questão que eu acho também muito marcante para distinguir escola pública de escola privada é a formação dos professores. Os professores têm uma formação mais precarizada. Os concursos hoje não podem ser muito severos, porque senão o professor, que trabalhou o dia inteiro e fez a licenciatura à noite em condições muito difíceis, em condições inadequadas, não conseguiria trabalhar. É esse professor que está indo pra escola pública. Então, esse professor tem poucos recursos para continuar investindo na sua formação. Ele já tem uma formação precarizada e o investimento é inviabilizado, porque ele, ganhando muito mal e recebendo mal pelo seu trabalho, é obrigado a ter uma alta carga de trabalho.

Isso faz com que ele não possa ler. Como que ele vai falar de teatro com aluno se nem ele pode frequentar o teatro? Ele fala de leitura, mas ele mesmo está praticando pouco a leitura que a gente chama de leitura literária. Ele pratica muito a leitura que tem a ver com a concepção do seu trabalho pedagógico. Então ele lê muitos textos didáticos, mas ele tem  pouco acesso ou pouca possibilidade de fomentar a leitura literária que, ao meu ver, é fundamental para ampliar a sua percepção de mundo. 

Por outro lado, na escola  privada, os professores são escolhidos, são aqueles que via de regra foram mais bem formados em universidades públicas, que puderam se dedicar à sua formação integral. Eles podiam ficar na universidade, eles não tiveram que trabalhar para sustentar a família. Então, a gente tem um conjunto de problemas que tornam essas escolas tão diferentes. Mas eu tenho profunda paixão pela escola pública,  pra mim, é o sentido da minha existência: está ali. Porque é lá que eu acho que deve estar a contribuição dos profissionais que tiveram por “n” motivos condições de fomentar mais a sua formação. Então lá é o desafio, é lá que eu acho que o humano acontece. É lá que eu acho que as relações afetivas têm mais possibilidade de crescer. Porque elas estão menos cerceadas. Embora a gente esteja numa “prisão”, as relações afetivas são mais livres do que são na escola  privada.

Na escola privada, tem um rigor muito voltado à  noção de que aprender significa ter uma grande quantidade de conteúdos. É a ideia que o aluno mais aprende quanto menos tempo ele tem para respirar. A sociabilidade é fundamental para o processo, a gente viu isso de maneira  muito dolorosa com a pandemia, né? O quanto a pandemia cerceou interações e, hoje, voltando para a escola presencial, eu percebo o quanto os adolescentes perderam com esses dois anos em sociabilidade. Perderam em conhecimento, porque existem conhecimentos que são muito favorecidos pela interação com o outro. Foi uma experiência que expandiu muito essa compreensão desse processo de ensino-aprendizagem. Ele precisa ter o outro, o outro faz muita diferença pro meu processo de construção. 

Há uma convicção fundamental para mim no exercício da docência que é: um sempre aprende com o outro e o outro nunca está superior a um. É sempre uma relação de igualdade, o que existe são construções diferentes, saberes que vieram de construções diferenciadas, mas um aprende muito ao ouvir a percepção  do outro. Então, eu tento fazer com que as minhas aulas tenham essa percepção, essa possibilidade da construção coletiva do saber. E, se só eu falo, aquilo é uma perspectiva, não um saber. Eu também aprendo muito com os alunos, por isso, eu gosto muito que eles falem, porque me desperta para o mundo e para as pessoas.

Como docente, você tem algum desejo?

Como professora, eu tenho o desejo de marcar a existência de vocês, principalmente quando eu estiver longe e até mesmo morta. Mesmo quando eu não tenha mais existência física, que assim, de alguma maneira, eu tenha contribuído para a formação, que eu esteja presente de alguma maneira, sabe? Esse é o meu desejo, e toda a minha atuação vai nesse sentido.

E tem alguma história de algum aluno que você traz consigo que te marcou?

Eu tenho muitas histórias com a escola pública. Eu tive que me despedir de muitos preconceitos, e tentar entender como é a vivência dos jovens. Eu frequentei uma graduação em condições muito precárias. Eu tinha que trabalhar e fui estudar numa universidade em outra cidade que não era reconhecida pela formação que oferecia aos seus alunos. Então, vim com uma formação bastante questionável pra sala de aula. E, aí, o que eu fazia, como eu não tinha aprendido efetivamente a dar aula, eu ficava lembrando de como é que eu tinha tido as aulas de português e ficava repetindo práticas que eu tinha vivenciado como aluna. Uma das práticas mais cristalizadas no ensino da língua portuguesa é o ensino bastante sistematizado da gramática: ensinar a gramática pela gramática. Ensinar o que é sujeito, o que que é predicado, o que que é substantivo, o que é verbo, e não mostrar como é esse empenho de como é que as palavras se articulam. 

Nessa  primeira prática minha, da gramática sistematizada, o Clóvis, que não esqueço o nome, me perguntou: “Professora, o que que eu vou fazer com isso que você tá me ensinando?”. Era uma dúvida de todos os alunos, e é uma dúvida de muitos alunos até hoje. Isso aconteceu no início da minha carreira. E, aí, eu muito despreparada para o exercício da profissão, não encontrava outra resposta e disse ao Clóvis: “Porque isso cai no vestibular”. Em uma época que as camadas populares não iam à universidade, ele não ia enfrentar o vestibular. Ele tanto não ia enfrentar vestibular que nem no ensino médio ele chegou. Então, eu não tinha  nenhuma percepção social. E o Clóvis não teve, assim, a audácia de continuar a conversa e dizer: “Mas, professora, eu não vou fazer vestibular, eu moro na favela, professora”.

Isso me marca, porque aquela pergunta ficou: “Professora, o que que eu vou fazer com isso que você tá tentando me ensinar?”. E, aí, isso me foi apresentado logo no início da minha carreira. Então, aquilo ficou de uma tal maneira, que eu costumo dizer que toda minha vida profissional foi buscar responder a pergunta do Clóvis, mesmo que o Clóvis não estivesse mais  presente na minha vida de maneira física. O Clóvis atravessou toda a minha carreira profissional, porque eu tenho o empenho, até hoje, de responder bem ao Clóvis e aos Clóvis que me são apresentados. – Alice Horikawa

Um Clóvis que, no momento da minha vida, fez uma pergunta fundamental. Me emociona até hoje contar isso. Eu me seguro para não chorar, porque eu tenho muita noção do quanto esta pergunta e o quanto Clóvis foi fundamental na minha docência.

Nossa, muito emocionante esse relato.

Para mim, é emocionante mesmo, e a docência é um lugar da emoção. Além da objetividade e da razão, é o lugar também da emoção.

Você comentou um pouco desse lado mais pessoal da sua vida. Você pode falar mais de onde a Alice surgiu?

Eu sou do interior de São Paulo e fui com 7 anos pra cidade de São Paulo. Meu pai é japonês do Japão mesmo, a minha mãe é descendente de japoneses. Minha mãe nasceu um ano depois que os meus avós vieram para o Brasil. Os meus avós vieram em circunstâncias de enfrentamento da crise instaurada pela guerra no Japão. Eles vieram tocados pelo discurso de que, aqui no Brasil, havia muitas oportunidades. Para você ter uma ideia, no Japão, divulgava-se que, no Brasil, o dinheiro dava em árvore. E, aí, os meus avós saíram de lá com a promessa de que voltariam, de que o imperador providenciaria o retorno de todos eles e que eles podiam ir tranquilamente. Eles poderiam, inclusive, guardar dinheiro para depois voltar para o Japão e usar esse dinheiro na economia japonesa. E eles acreditaram tanto nisso que os meus avós nunca aprenderam a Língua Portuguesa. 

Eles trabalhavam na terra e nem pensavam em ter uma terra, porque para eles: “Para que eu vou ter terra se eu vou voltar pro Japão?”. Então, os meus avós vieram de uma sociedade extremamente patriarcal, que subjugava a mulher muito fortemente. As mulheres deviam servir aos homens. A imagem da submissão é uma imagem muito forte pra comunidade, e eu cresci assim.

Eu cresci ouvindo dos meus pais que eu não deveria estudar e que eu não deveria trabalhar, que eu deveria me preparar para ser esposa, tinha que aprender a submissão. Eu não podia aprender a responder, não podia aprender a questionar, não podia aprender a enfrentar autoridade.  Na minha família, eu tenho três  irmãos mais velhos e mais  três irmãs abaixo. Então, eu sou irmã mais velha e, a mim, foram atribuídas desde muito cedo os trabalhos da casa. Desde os 7 anos de idade, eu tive que assumir a casa como se eu tivesse casado. E a minha mãe aprendeu a mandar, e o meu pai aprendeu a não questionar aquela ordem e prover o sustento da família. 

Eu gostava muito de ler e eu costumo dizer que sim, eu tenho algumas salvações da vida, e a leitura foi uma delas, porque eu ficava muito dentro de casa cumprindo os afazeres domésticos. Minha mãe não permitia que eu ficasse na rua porque a rua era um lugar dos meninos e a casa era o lugar das meninas. Então, não podia sair e, não podendo sair, eu ficava na companhia dos livros.  Eu tinha um tio que estudava nos livros didáticos. Ele tinha algumas enciclopédias, gibis e, de vez em quando, ele descia lá na minha casa e deixava tudo aquilo que eu acho que nem ele lia, ele deixava em casa para dar uma desafogada na casa dele. E eu ficava lendo esses livros, livros de adultos, livros que eram feitos para gente grande, né, mas eu lia porque queria estar em franco conhecimento. Eu tinha uma percepção de que o mundo e o universo era muito mais amplo do que a minha família. E, muito cedo, eu fui buscar outras instâncias de interação. 

Eu morava numa casa e, lá na frente, ficava a igreja, uma igreja católica e aí eu falei assim:  vou lá, tá todo domingo um monte de gente entrando. E eu fui. Imagina uma criança de 10 anos indo sozinha para igreja. Então, os católicos me pegaram e cuidaram muito de mim. Eu fiquei tendo muita convivência na igreja e eu costumo dizer que a igreja foi fundamental para mim porque lá havia trabalhos que hoje são tidos como trabalhos assistencialistas, de trabalhar com o que sofre, mas não trabalhar com a transformação da sociedade de maneira que aquele que sofre deixa de sofrer e não precisa mais do seu trabalho. Então, era assistencialista, mas uma criança não tem menor condição de entender o que quer assistencialista, o que é transformador de fato. E, fazer esses trabalhos, foi tão importante que, lá, eu descobri que é impossível ser feliz sozinho, que eu não podia ser feliz se o outro tivesse sofrendo, se o outro tivesse passando por penúria, enfrentando as dores da miséria. Foi ali que eu aprendi isso. E daí essa minha disposição de entender a precariedade do outro, e eu nem me entendia assim, porque eu tava na mesma merda que eles né, mas eu entendia a merda do outro, eu tava numa condição que era diferenciada daquele povo que eu coletava alimentos e roupas. E, aí, essa minha disposição para o outro acabou me trazendo também para outras instâncias de Interação. Então chegou uma hora que eu abandonei a igreja e tive um um deslumbramento com a universidade. Eu fui muito cedo para faculdade, aos 17 anos. Aí, eu vivia a ditadura militar. Então, eu vi o país com uma efervescência política muito forte. E também fui tomada pelos discursos de transformação que esse movimento trazia. Então, também fui militar em partido político.

Então, essas minhas interações que eu chamo de interações públicas, essas minhas interações sociais, que alargavam o que era uma lenda na minha interação familiar, fizeram toda a diferença. Tanta diferença que eu tive a noção de que esse  lugar que estão querendo me colocar, essa questão que estão querendo me impor, esse não é o lugar que eu quero ocupar. 

Os meus irmãos são muito vinculados a essa vida mais familiar, mais privada, e eu vejo quanta diferença faz. Então, por isso que eu incentivo muito e quero muito que os meus alunos tenham essa percepção da importância que é a inserção em instituições públicas, que vem pra gente se humanizar, eu acho que a palavra fundamental, para mim, é isso a minha humanização se constituiu a partir dessa história de opressão, do desejo de vencer essas opressões. São muitas as opressões que eu ainda enfrento. Mas eu tive o aprendizado de enfrentá-las.

E você comenta da importância das instituições públicas, continuou dando aula em escolas públicas? Como foi o começo da sua carreira na docência?

Em  1985 foi quando eu comecei a dar aulas e não foi fácil gostar, porque a docência é um exercício muito difícil. Era uma época em que os alunos não tinham essa correspondência entre série e ano. Eles repetiam o ano, eles iam trabalhar, depois voltavam pra escola, então tinha alunos que tinham quase minha idade e aí houve uma afinidade de gerações mesmo. E eu me dava muito bem com os alunos, então, foi a partir da paixão em relação aos alunos que eu fui me apaixonando pela docência no sentido de que eu fui me comprometendo. Eu entrei porque eu ia ganhar um bom salário, um salário muito diferente do que eu ganhava antes, e, aí, a paixão  por essa vivência, por essa convivência com os alunos foi me impulsionando a me comprometer com eles, a me comprometer com a formação deles, e, daí, fui me apaixonando pela docência, me comprometendo cada vez mais. Daí fui fazendo muitos cursos pra melhorar sempre a minha prática, fiz muitos cursos de extensão. Até que um dia eu pensei: tá na hora de fazer um curso de mais fôlego. Foi aí que eu fui fazer mestrado, mas nunca abandonei a escola pública Municipal. E aí, quando eu cheguei ao mestrado, me perguntaram assim: “Olha tal faculdade, eles estão precisando de professora de português, você não quer ir lá?”. Eu falei: “Ah, vou tentar”.

Fui contratada para trabalhar em uma das maiores universidades privadas de São Paulo que é a Uninove. Aí comecei a trabalhar com pessoas que vinham das escolas públicas, porque a Universidade Federal não estava aberta para elas. Então, era como se eu continuasse o meu trabalho, como se eu encontrasse na universidade aqueles para quem eu tinha dado aula na escola pública. E aí fiquei na universidade e fiquei na escola pública Municipal até pedir aposentadoria em 2014. Continuei dando aula, tinha aposentadoria e a Uninove.

E como você veio parar em Minas Gerais, no IFMG?

O meu marido, que hoje é um ex, fez  o concurso para trabalhar aqui na UFOP para ser professor, e ele passou e veio para cá. E, fazer essa vida de vai e volta para São Paulo, era muito difícil. Aí surgiu um concurso no IFMG e o marido disse: “Ah, faz esse concurso porque, se você passar, a gente para com essa história de ir e vir para São Paulo”. Eu não tinha muita disposição de sair de São Paulo para dizer a verdade, acho que eu não tinha nenhuma disposição para sair de lá, mas eu fiz, e, fazendo, eu passei.

E, passando, eles me chamaram. Foi uma das decisões mais difíceis da minha vida, tão difícil que eu fui postergando até que um dia me mandaram email dizendo: ou você vem ou a gente vai mandar a vaga para frente. Aí eu decidi então que ia me arrepender pelo que fiz e não pelo que não fiz, então, lá no último dia, cheguei na Uninove, pedi minha demissão na quinta-feira, na sexta, eu recebi a minha carteira de trabalho com a baixa e vim na segunda e parei já na Reitoria para fazer o documento de nomeação. Tomei posse em maio de 2016 e vim.

Gostei muito do trabalho. Para mim, a sala de aula é uma paixão, e aí me apaixonar por vocês, me apaixonar pelo IF foi muito fácil, né. Aí eu fui  trabalhando e tô trabalhando até hoje aqui. Eu me separei do marido, então aquilo que era a primeira razão pela qual estava aqui deixou de ser uma razão, então eu continuei aqui pelo trabalho e por essa aproximação que eu desenvolvi com os alunos e as alunas. Vocês são muito especiais, vocês nos causam desafios que só vocês nos oferecem, a vivência que se tem com a juventude na docência é uma vivência ímpar, é uma vivência que nos faz crescer muito e nos faz modificar.

A gente vai, no decorrer da vida,  formando alguns aprendizados, um deles que eu acho importante é que a vida é misteriosa. Eu nunca planejei estar em Minas Gerais, nunca planejei muito menos estar em Ouro Preto, a vida aconteceu, e eu acho que a beleza da vida é essa. Foi a vida que me trouxe para cá, não foi o meu desejo, não foi a minha vontade, foi a vida. E assim a vida tem sido misteriosa pra mim e eu gosto desse mistério e tem sido muito positivamente misteriosa.

Eu costumo dizer que quando eu morrer, no meu jazigo, será escrito assim: “Aqui, jaz uma pessoa que teve da vida muito mais do que pediu a ela”. Eu acho que a vida foi muito generosa comigo. Até aqui, ela tem sido muito generosa, o que não significa que não tenha sido árdua. Foi duro, mas é uma vida que me apresentou muitas coisas bonitas e muitos presentes. Então, assim, eu sou muito mais grata ao que eu recebi do que ao que eu dou. E eu costumo dizer que eu posso viver uma vida inteira e ela não dará conta de pagar tudo que eu devo aos meus alunos e as minhas alunas, porque o que eu sou eu devo a eles. 

Eu acho que a gente pode aprender muito com a vivência do outro, a gente amadurece, a gente pula etapas, a gente vive anos numa conversa. Você entra com 18 e sai com 30. Então, é essa confiança que eu tenho na palavra, essa confiança que eu tenho nas pessoas e a confiança que eu tenho na transformação.  E sim, eu acredito muito que a Maysa não é a mesma pessoa de quando começou a conversar comigo com certeza. E eu não sou mais a mesma pessoa de quando eu comecei a conversar com Maysa. É nesse poder transformador da palavra que eu acredito demais.

É a palavra que me une a você, é isso que me faz ser professora de língua portuguesa, porque é essa ponte, há uma ponte entre mim e você e essa ponte foi construída por palavras.

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